terça-feira, 28 de abril de 2009

Folha de São Paulo - março 2008




MARCUS PRETO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ainda que seus arranjos silenciosos façam supor uma completa solidão, "Sweet Jardim", álbum de estreia da paulistana Tiê, 28, pode ser tudo -menos o trabalho de uma artista solitária. Foram muitas as mãos e cabeças envolvidas nos vários processos de sua criação, repetindo um esquema de colaboração mútua cada vez mais comum na cena independente.

Nele, os músicos driblam a falta de dinheiro dando de graça o que têm de melhor -seja criatividade, método ou mão de obra. Essas parcerias fazem a engrenagem rodar, gerando sua própria energia.

"São Paulo é meio precursora nisso", diz o carioca Plínio Profeta, 39, produtor de "Sweet Jardim". "Os músicos paulistanos são mais articulados. Um exemplo é o [coletivo] Instituto, que compõe, toca, cria selo, lança disco, um ajuda o outro. Quando um se destaca, todos ficam em evidência."

É preciso não confundir essa cooperação artística com um novo movimento musical, como foi a bossa nova, a jovem guarda ou a tropicália. Aqui, os trabalhos de cada um dos elementos do grupo são radicalmente diferentes entre si em termos de estilo.

"Eu sou do rock, mas posso ajudar a Tiê, que faz um som mais leve, a criar uma letra ou a montar uma página no MySpace", exemplifica Naná Rizzini, 28. Lançando seu primeiro EP, ela lembra que a rede não envolve apenas músicos. "Tenho amigos designers, fotógrafos, figurinistas... Assim, o projeto gráfico, a maquiagem, cabelo, os clipes, tudo vira custo zero."

Tatá Aeroplano, 33, nota que os artistas estão mais interessados em compreender e dominar o lado não-artístico da música. E contabiliza o quanto estar inserido num esquema coletivo pode tornar viável a realização de um disco. "A gente paga os caras envolvidos na produção, estúdio e mixagem, mas é uma quantia simbólica", diz. "O CD mais recente da minha banda Cérebro Eletrônico custou R$ 15 mil. É pouco para o resultado que conseguimos."

Moeda de troca
Finalizando a produção do segundo CD do Jumbo Elektro, uma das bandas de que faz parte, Dudu Tsuda, 29, diz que tudo vale como moeda de troca. "Você pede um microfone ou um gravador e acaba pagando com uma trilha, tocando um instrumento num jingle ou com uma garrafa de uísque."

"O meu vai ser na base da camaradagem total da galera. Se eu fosse pensar em contratar músico, ficaria inviável fazer qualquer coisa", diz Tulipa Ruiz, 30, que pretende estrear em disco este ano. Ela afirma que esse revezamento dos mesmos artistas em vários álbuns não "vicia" a sonoridade dos trabalhos nem limita os horizontes estéticos dos envolvidos. "Ao contrário. A cada disco que a gente faz junto, um traz coisas novas para o outro", diz.

"Isso acontece porque somos um coletivo em que todo mundo pode exercer totalmente sua individualidade", define o ex-ator Thiago Pethit, 26, que acaba de lançar seu primeiro EP. "Comecei a ficar infeliz com o teatro na mesma época em que dirigi um show da Tiê e do Dudu", recorda. "Vendo eles no palco, entendi que o que eu queria para mim estava ali: um monte de gente jovem e interessante fazendo coisas para gente jovem e interessada."

"Sempre achei que essa crise na indústria ia render uma virada artística", conclui Plínio Profeta. "A turma dos anos 2000 reagiu e aprendeu que, juntando as forças, poderia fazer o que quisesse."

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